domingo, 13 de junho de 2010

Região central tem o pior ar da cidade

Eduardo Reina - O Estado de S.Paulo - 13 de junho de 2010 0h 00

Em 43 dias de 2009, total de partículas inaláveis de 10 mícrons foi superior ao aceitável; áreas vizinhas a avenidas concentram poluentes

No ano passado, várias regiões da cidade de São Paulo registraram alta concentração de partículas inaláveis de 10 mícrons, segundo a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). O centro, por exemplo, ultrapassou os atuais limites de poluição em 43 dias no ano. Na região do Aeroporto de Congonhas, o ar ficou saturado desse material em 39 dias. Índice parecido aos de Pinheiros (32 dias), Santana (36 dias), Santo Amaro (30 dias) e Itaquera (32 dias). Nem a região do Parque do Ibirapuera escapou - seu ar ficou inadequado por 26 dias.
As áreas de São Paulo que têm maior concentração de poluentes, principalmente o chamado material particulado, são as próximas às grandes avenidas. Assim, regiões vizinhas às Marginais do Tietê e do Pinheiros e às Avenidas dos Bandeirantes, do Estado e Salim Farah Maluf, entre outras desse porte, são as que a própria Cetesb prevê que ultrapassem os limites nos novos padrões.

Vilão. Já foi pior. Em 1997, o monóxido de carbono, por exemplo, ultrapassou os limites-padrão 657 vezes. Esse gás era então o vilão da poluição atmosférica de São Paulo. Com a mudança nos escapamentos dos veículos e surgimento de catalisadores capazes de diminuir a emissão de poluentes, a situação mudou. "Nos últimos anos, não houve nenhuma ultrapassagem. O último registro é de 2007", diz Maria Helena Martins, gerente da Divisão de Qualidade do Ar da Cetesb, referindo-se ao monóxido.

As partículas inaláveis MP 10 também apresentaram drástica diminuição. Em 1997, houve 162 registros com limite alterado na atmosfera; no ano passado, apenas uma vez, segundo a Cetesb.
Já o ozônio vem tendo comportamento preocupante. Em 2008, o limite foi ultrapassado em 49 dias. "Mas em 2007 foram 72. O ozônio vem se destacando negativamente principalmente pelas condições climáticas e pelo grande número de veículos em circulação nas ruas", explica Maria Helena.

Hoje, o risco de um morador de São Paulo morrer de doenças cardiovasculares ou respiratórias é 30% maior do que de quem vive numa cidade com baixos índices de poluentes, segundo pesquisa da Faculdade de Medicina da USP. "É preciso investir na melhoria dos combustíveis e na mobilidade. Mas principalmente deve haver uma mudança comportamental da população, que precisa deixar de usar carros e utilizar o transporte público. Os governos precisam ampliar as ofertas de transporte e melhorar condições de tráfego", reivindica o médico Paulo Saldiva.
Enquanto isso não ocorre, é só o dia amanhecer mais seco para a produtora de eventos Daniele Cagni Batista, de 34 anos, sentir os olhos vermelhos, a garganta raspando, o nariz entupido. Desde criança, ela sofre com os males provocados pela poluição. "O tempo fica seco e sujo e começo a passar mal. O nariz entope. Os olhos ardem. A única solução é tomar um antialérgico." Fora os remédios, a única solução é sair de São Paulo. "Parece mágica. É só ir para um lugar com ar mais limpo que a alergia melhora."

LÁ TEM...

União Europeia
Os novos padrões de qualidade do ar determinam que até 2015 o limite de material particulado (partículas inaláveis) de 2,5 mícron, o mais fino e mais perigoso para a saúde, seja de 25 microgramas por metro cúbico (mg/m3). A meta é chegar em 2020 a 20 mg/m3. Os limites são maiores que o recomendado pela Organização Mundial de Saúde e dos que serão adotados em SP.

Estados Unidos
Apesar da alta concentração de poluentes na atmosfera desse país, o limite estabelecido pela agência ambiental norte-americana é de 15 mg/m3.

Alemanha
Vigora desde 2005 em Berlim a diretriz ambiental que determina que a concentração de 50 mg/m3³ de partículas inaláveis só pode ser ultrapassada em 35 dias por ano. Em Munique, por exemplo, esse nível foi superado em 34 dias e em Berlim 20 vezes apenas em cinco meses do ano.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Fumaça e Saúde

Artigo do médico Paulo Timóteo Fonseca para o jornal "O Estado de Minas"
Opinião - 03/02/2010

O berço do tabagismo é a América. Antes de Colombo, já se cultivava o tabaco em todo continente. O costume dos indígenas de fumar as folhas da Nicotiniana tabacum é muito mais antigo do que este marco histórico. As baforadas nunca faltaram nas cerimônias tribais. Daí o tabaco foi levado para a Europa e se espalhou como uma erva daninha. Em pouco tempo, ja se fumava cachimbo em todo continente. A seguir, veio para grassar mundo afora, levou ainda menos tempo, fazendo parte dos costumes de todas as populações do mundo moderno. Assim, poderíamos datar em 1500 o início do tabagismo no mundo, mas o hábito de fumar é talvez mais antigo quanto o mais longínquo alvorecer da civilização humana.

Desses tempos até o início do século 20, o câncer de pulmão era uma doença rara. Em 1885, o alemão Karl Benz produziu o primeiro veículo motorizado a gasolina, com três rodas e com propósito comercial. Depois disso, a indústria do automóvel nâo parou mais de crescer. No Brasil e em outros países da América Latina, essa indústria tomou impulso depois da 2a Grande Guerra. Na década anterior, marcas estrangeiras instalaram suas fábricas de montagem no Brasil. Porém, foi em 1956 que as multinacionais automotivas começaram a montar aqui os seus carros. A indústria cresceu vertiginosamente e as nossas ruas ficam, a cada dia, mais estreitas para tantos veículos de motores de combustão. Como consequência imediata, o ar que respiramos piorou. A seguir, vieram as motocicletas de dois tempos (queimam uma mistura de óleo e gasolina) e os motores a diesel, que têm uma capacidade ainda maior de poluir o ar. O problema se tornou um problema de saúde pública. O impacto sobre cada habitante é como se todos virássemos fumantes inverterados. O aumento progressivo dos casos de câncer de pulmão coincide com a invenção do automóvel.

De doença rara até o início do até o início do século 20, o câncer do pulmão se transformou na doença neoplástica mais comum nos países desenvolvidos. É a principal causa de morte por câncer entre os homens da América do Norte e da Europa. Sua incidência e mortalidade vêm aumentando nas últimas décadas entre as populações da Asia, da América Latina e da África.

Essa modificação no comportamento da doença é observada desde 1920, quando o número de casos começou a crescer progressivamente, transformando-se em verdadeira epidemia mundial desde o início do século 21. Em 1999, nos Estados Unidos, foram verificados mais de 180mil casos de câncer de pulmão. É responsável por 30% de todas as mortes pela doença, percentagem maior do que as relacionadas com os cânceres de mama, de próstrata, de cólon e de ovários somados. Curiosamente a incidência de câncer de pulmão não cresce nas mesmas proporçôes nas comunidades rurais, onde o tabagismo é um hábito comum e há poucos automóveis. Em 1950, os estudos de Doll e Hill demonstraram que o tabagismo tinha relação com o aparecimento do câncer de pulmão. Depois disso, houve muitos outros trabalhos, e todos com a mesma convicção. Pouca gente e interessou em saber qual é a contribuição da fumaça lançada pelos motores a combustão no desenvolvimento da doença. Dá-se muita importância à fumaça das chaminés das fábricas, mas parece que o fascínio pelo automóvel cega a maioria dos estudiosos. Diante desses fatos históricos, vamos fazer nossa reflexão. Não é preciso maior conhecimento para entender que aspirar fumaça não traz benefício algum para a saúde, seja qual for a origem dela. Seja ela proveniente do cigarro ou do ar poluído das ruas. Vamos excluir os fumos metálicos produzidos pela indústria e a poulição produzida pelas motocicletas, ônibus e veículos de carga.

Podemos até arriscar alguns cálculos matemáticos. Um fumante inala e lança no ar, a cada tragada, cerca de 0,2 litro de fumaça e, com cerca de 10 delas, queima um cigarro, produzindo em média, cerca de dois litros de fumaça. Um automóvel 1.0, num ciclo de funcionamento, a cada rotação do eixo do motor, lança no ar, pelo escapamento, um litro de fumaça. A cada minuto, esse motor gira cerca de 2 mil vezes, formando 2 mil litros de fumaça, o que equivale a 2,88 milhões de litros de fumaça por dia, se ficasse o tempo todo ligado. Para produzir a mesma quantidade de fumaça, precisaríamos que 1,44 milhão de cigarros fossem fumados no mesmo dia.

Se levarmos em em consideração que circulam em Belo Horizonte cerca de 1 milhão de automóveis, esses veículos produzem 2,88 trilhões de litros de fumaça por dia. Precisaríamos, então, queimar 1,44 trilhão de cigarros para produzir a mesma quantidade de fumaça. Se considerarmos que um fumante queima pelo menos 1 maço de cigarros por dia, seriam necessários 720 milhões de fumantes por dia para produzir o mesmo volume de fumaça. Mesmo se toda a população brasileira morasse em Belo Horizonte e fosse constituida de fumantes, não seria possível produzir tanta fumaça. O cerco aos fumantes avança e eles estão sendo excluidos dos luares públicos, enquanto milhares de carros são emplacados e entram em circulação. Atribuir apenas ao cigarro o incremento dos casos de câncer de pulmão é, no mínimo, um raciocínio precipitado e que fecha os olhos ao maior poluente do ar que respiramos - a fumaça produzida pelos automóveis.