quinta-feira, 10 de junho de 2010

Fumaça e Saúde

Artigo do médico Paulo Timóteo Fonseca para o jornal "O Estado de Minas"
Opinião - 03/02/2010

O berço do tabagismo é a América. Antes de Colombo, já se cultivava o tabaco em todo continente. O costume dos indígenas de fumar as folhas da Nicotiniana tabacum é muito mais antigo do que este marco histórico. As baforadas nunca faltaram nas cerimônias tribais. Daí o tabaco foi levado para a Europa e se espalhou como uma erva daninha. Em pouco tempo, ja se fumava cachimbo em todo continente. A seguir, veio para grassar mundo afora, levou ainda menos tempo, fazendo parte dos costumes de todas as populações do mundo moderno. Assim, poderíamos datar em 1500 o início do tabagismo no mundo, mas o hábito de fumar é talvez mais antigo quanto o mais longínquo alvorecer da civilização humana.

Desses tempos até o início do século 20, o câncer de pulmão era uma doença rara. Em 1885, o alemão Karl Benz produziu o primeiro veículo motorizado a gasolina, com três rodas e com propósito comercial. Depois disso, a indústria do automóvel nâo parou mais de crescer. No Brasil e em outros países da América Latina, essa indústria tomou impulso depois da 2a Grande Guerra. Na década anterior, marcas estrangeiras instalaram suas fábricas de montagem no Brasil. Porém, foi em 1956 que as multinacionais automotivas começaram a montar aqui os seus carros. A indústria cresceu vertiginosamente e as nossas ruas ficam, a cada dia, mais estreitas para tantos veículos de motores de combustão. Como consequência imediata, o ar que respiramos piorou. A seguir, vieram as motocicletas de dois tempos (queimam uma mistura de óleo e gasolina) e os motores a diesel, que têm uma capacidade ainda maior de poluir o ar. O problema se tornou um problema de saúde pública. O impacto sobre cada habitante é como se todos virássemos fumantes inverterados. O aumento progressivo dos casos de câncer de pulmão coincide com a invenção do automóvel.

De doença rara até o início do até o início do século 20, o câncer do pulmão se transformou na doença neoplástica mais comum nos países desenvolvidos. É a principal causa de morte por câncer entre os homens da América do Norte e da Europa. Sua incidência e mortalidade vêm aumentando nas últimas décadas entre as populações da Asia, da América Latina e da África.

Essa modificação no comportamento da doença é observada desde 1920, quando o número de casos começou a crescer progressivamente, transformando-se em verdadeira epidemia mundial desde o início do século 21. Em 1999, nos Estados Unidos, foram verificados mais de 180mil casos de câncer de pulmão. É responsável por 30% de todas as mortes pela doença, percentagem maior do que as relacionadas com os cânceres de mama, de próstrata, de cólon e de ovários somados. Curiosamente a incidência de câncer de pulmão não cresce nas mesmas proporçôes nas comunidades rurais, onde o tabagismo é um hábito comum e há poucos automóveis. Em 1950, os estudos de Doll e Hill demonstraram que o tabagismo tinha relação com o aparecimento do câncer de pulmão. Depois disso, houve muitos outros trabalhos, e todos com a mesma convicção. Pouca gente e interessou em saber qual é a contribuição da fumaça lançada pelos motores a combustão no desenvolvimento da doença. Dá-se muita importância à fumaça das chaminés das fábricas, mas parece que o fascínio pelo automóvel cega a maioria dos estudiosos. Diante desses fatos históricos, vamos fazer nossa reflexão. Não é preciso maior conhecimento para entender que aspirar fumaça não traz benefício algum para a saúde, seja qual for a origem dela. Seja ela proveniente do cigarro ou do ar poluído das ruas. Vamos excluir os fumos metálicos produzidos pela indústria e a poulição produzida pelas motocicletas, ônibus e veículos de carga.

Podemos até arriscar alguns cálculos matemáticos. Um fumante inala e lança no ar, a cada tragada, cerca de 0,2 litro de fumaça e, com cerca de 10 delas, queima um cigarro, produzindo em média, cerca de dois litros de fumaça. Um automóvel 1.0, num ciclo de funcionamento, a cada rotação do eixo do motor, lança no ar, pelo escapamento, um litro de fumaça. A cada minuto, esse motor gira cerca de 2 mil vezes, formando 2 mil litros de fumaça, o que equivale a 2,88 milhões de litros de fumaça por dia, se ficasse o tempo todo ligado. Para produzir a mesma quantidade de fumaça, precisaríamos que 1,44 milhão de cigarros fossem fumados no mesmo dia.

Se levarmos em em consideração que circulam em Belo Horizonte cerca de 1 milhão de automóveis, esses veículos produzem 2,88 trilhões de litros de fumaça por dia. Precisaríamos, então, queimar 1,44 trilhão de cigarros para produzir a mesma quantidade de fumaça. Se considerarmos que um fumante queima pelo menos 1 maço de cigarros por dia, seriam necessários 720 milhões de fumantes por dia para produzir o mesmo volume de fumaça. Mesmo se toda a população brasileira morasse em Belo Horizonte e fosse constituida de fumantes, não seria possível produzir tanta fumaça. O cerco aos fumantes avança e eles estão sendo excluidos dos luares públicos, enquanto milhares de carros são emplacados e entram em circulação. Atribuir apenas ao cigarro o incremento dos casos de câncer de pulmão é, no mínimo, um raciocínio precipitado e que fecha os olhos ao maior poluente do ar que respiramos - a fumaça produzida pelos automóveis.

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