sábado, 20 de fevereiro de 2010

Como nos viciamos - 3a Parte

Trechos do livro Cigarro: um adeus possível - Dr. Flavio Gikovate.
Infelizmente esgotado, o livro contém informações importantes sobre como o vício se instala, quais os mecanismos, porque os adolescentes são tão vulneráveis. Vale a pena ler.
Dividimos em 3 partes:
1a Parte: hábito X vício
2a Parte: um pouco de teoria
3a Parte: o vício se inicia de modo erótico

o vício se inicia de modo erótico
Quase todas as pessoas viciadas em cigarros se iniciaram durante os anos da adolescência, ou seja, entre os 13 e os 21 anos aproximadamente. Provavelmente o fascínio pelas baforadas de fumaça veio desde os 8-9 anos de idade - atitudes mais de brincadeira, tentativas de imitar os mais velhos e nada mais. A iniciação de pessoas mais velhas sempre foi muito incomum; Ainda hoje existe um importante contingente de jovens se viciando no uso do cigarro e praticamente todos estão no período da adolescência. A grande diferença em relação a algumas décadas é que o número de moças é maior e o de rapazes tende a diminuir.

É evidente que começar a fumar hoje em dia é parte de um comportamento bastante mais absurdo do que era antigamente, quando não se conheciam os efeitos nocivos da nicotina. Porém a adolescência corresponde a um período particularmente complexo e difícil e o bom senso nem sempre prevalece. É a fase da vida na qual a pessoa está mais predisposta a se iniciar em todos os tipos de vícios. E tudo vai depender do apego dos jovens ao seu grupo de amigos e de que do que este grupo gosta (fumar maconha, jogar, beber fumar cigarros, etc).

Por que os jovens ssão tão sensíveis aos hábitos e condutas do grupo com o qual se relacionam?

De onde vem tanta fragilidade, tamanha carência, tamanha vontade de ser aceito? Por que tudo isso é exatamente o oposto do que se pode observar em casa, onde parece que querem chocar, aborrecer e só dão sinais de independência e auto-suficiência? O que é mais verdadeiro: o comportamento dentro de casa ou o que se observa na turma de amigos?

Com o surgimento da sexualidade adulta e com as alterações físicas correspondente à maturidade óssea e muscular, o rapaz toma formas de "gente grande". Terá que tratar de ser assim nos seus comportamentos e na sua vida emocional. Mas não está preparado para a independência que ele acha que agora deveria ter. Não se sente com coragem para nada diferente daquilo que fazia até alguns meses atrás. Não sabe bem o que fazer com aquele novo corpo e com suas novas vontades. Para as meninas mais ainda porque não sabem como administrar o assédio que seu novo corpo provoca. A liberdade se choca com o medo da liberdade, de não se sentir com tanta competência para o auto-governo que a condição de adulto exige deles.

Uma parte deste despreparo é inevitável, pois não se pode saber das coisas antes de passar por elas. Mas a outra parte é um subproduto da educação super protetora que os jovens têm recebido, que faz com que as crianças cresçam fracas e despreparadas. Isso acaba levando esses jovens a tentar demonstrar uma força e uma independência que não têm. Poucos terão coragem de assumir suas incompetências. Tanto em casa quanto com os amigos. Com os colegas, eles sabem que estão mentindo nas acham que os outros estão sendo sinceros. Os próprios líderes da turma não são bem estruturados, pois pessoas bem estruturadas preferem uma posição mais sossegada.

Neste contexto, estar bem em casa é mostrar dependência. E a revolta contra a família pode ser uma manifestação inconsciente contra quem não os preparou para o que enfrentarão daqui para frente. Educar de modo superprotegido e dependente é aumentar os riscos, inclusive o vício para drogas pesadas. Se o vício é uma dependência que substituirá outras dependências, educar para dependência é educar para o vício. Via de regra, ambientes familiares mais sadios criam boas condições para a independência dos filhos. Pais felizes não precisam de filhos fracos e dependentes.

A adolescência implica na necessidade de nos tornarmos independentes e na incompetência que temos para isto. Quando estivermos suficientemente fortes não temeremos nos opor aos padrões do nosso grupo de referência. A oposição é bastante ameaçadora pois pode significar rejeição, o que faz com que rapazes e moças se adequem imediatamente aos padrões do meio.

Logo nos primeiros anos da adolescência o jovem não tem nenhuma consistência e se molda ao grupo. A partir do instante que passa a ter valores próprios, acontece o inverso: escolhe um grupo em função das semelhanças de valores. O período de máxima vulnerabilidade é portanto, dos 13 aos 16 anos. Nesta fase, acompanhará os hábitos do grupo.

Quando o jovem estabelece um vínculo amoroso, sofre menor influência do grupo. Mas um rompimento dramático deste vínculo pode causar grande vulnerabilidade e o predisporá ao estabelecimento de vício por alguma droga. Não o cigarro, mas drogas com efeitos psicotrópicos que podem trazer um alívio para a insegurança gerada.

O vício do cigarro entra na adolescência não pelo vício da nicotina. Entra pelo aconchego que significa se sentir integrado ao grupo. Quando um rapaz sai para encontrar os colegas para fumar, é difícil saber se é apenas um pretexto para se sentirem juntos, integrados. Principalmente se for encarado com uma coisa proibida, uma transgressão.

Existem adolescentes com grande vontade de parecer adultos, e outros tristes pelo fato de não poder continuar crianças para sempre. As razões destas duas atitudes vão desde a qualidade de vida infantil que cada um teve até o tipo de espírito e de vontade de aventuras e de novidades. Sendo o cigarro um símbolo de procedimento para adultos, tenderão mais para se viciar aqueles que têm grande vontade de logo passar para esse outro estágio da vida. Os que gostariam de não crescer deverão ter uma atitude de aversão ao cigarro. Sem que se perceba bem, gostar de fumar passa a ser um exercício dos prazeres da vida adulta, um símbolo de "maturidade".

Para o fumante recém iniciado, uma importante relação passa a ser associada com o cigarro. Imagens de charme, independência, virilidade, emancipação familiar ligado ao fato de que fumar é uma atividade "discretamente proibida". Quando os jovens se reúnem para fumar, o cigarro simboliza o que eles tem em comum: a ruptura com a família.

O cigarro, ao ser acendido, provoca uma sensação de aconchego e amparo. A partir de certo ponto, a partir de um certo tempo de uso regular do cigarro, essa sensação de proteção poderá ficar de tal forma associada ao cigarro que a tendência para acender um deles crescerá diante de qualquer pequena adversidade externa. Com o passar do tempo a dependência psíquica se estende para o maço do cigarro, para o isqueiro - que se torna uma peça de estimação - e também para a marca de cigarros. O apego à marca passa a ser também pelos processos de condicionamento que vão se associando àqueles símbolos. Quando as pessoas viajam para outros países, gostam de levar os seus cigarros, sua marca tradicional com a embalagem mais conhecida.
Como se tudo isso não bastasse, ainda ha a dependência química. Mesmo a pessoa se sentindo amparada, amada, nem por isso desaparecerá a vontade de fumar. A dependência química então perpetua a ligação com o cigarro, quaisquer que sejam as condições psicológicas da pessoa. Quando ele quer abandonar o cigarro, mesmo que em condições emocionais adequadas, enfrentará enormes dificuldades, pois a dor física derivada de não fumar dará a ele a impressão de que não viverá sem o cigarro, mesmo quando ele pensou que estava pronto para isso,
O cigarro então nos ata por todos os lados possíveis: erótico, afetivo e bioquímico.

Com o tempo, as pessoas vão tomando uma atitude mais crítica com relação ao cigarro. A dependência também cresce bastante. A quantidade de cigarros fumados cresce até atingir o ponto de saturação (de 10 a 60 por dia, mantida por vários anos).

A relação erótica vai sendo substituída por uma relação romântica. Se estabelece uma relação cada vez mais estreita entre o fumante e seu cigarro. O medo de ficar sem inclui o armazenamento de provisão suficiente para vários dias.

Fica evidente que o objeto pelo qual se desenvolve apego sentimental representa um ser humano ou um grupo de pessoas e passou a ser o substituto e representante deles. O rapaz era apegado ao grupo de jovens que fumava e depois se ligou ao cigarro porque este lhe passava as sensações que experimentava quando estava com o grupo. Um reflexo condicionado foi o responsável por essa transferência, que atribuiu ao objeto "poderes" que ele só pode ter porque representa criaturas reais.

Ainda ha a teoria da fixação oral - começa com os seios da mãe, vai para a chupeta, e torna a boca uma área particularmente sensível aos vícios. Talvez isto explique porque os seres humanos são tão irrequietos com a bocam porque objetos como o cigarro, o cachimbo ou o charuto são tão atraentes para a nossa espécie. Assim como por exemplo as gomas de mascar. Pode inclusive explicar porque tanto ex-fumante é grande consumidor delas.

Apesar de ser considerada uma droga de importância menor em relação às outras, não se pode confundir os poucos efeitos psicotrópicos da nicotina com suavidade de vício. É um vício muito forte e grave por uma droga leve. Porém, do ponto de vista moral, a coisa pode ser muito destrutiva e maléfica. O indivíduo sabe que é viciado, que não pode largar a droga. E isso provoca grande humilhação, grande ofensa a auto-estima. O fenômeno é parecido com o gordo que, persistente e determinado em todos os outros aspectos da sua vida, não se conforma de não ser capaz de fazer uma dieta e segui-la com rigor e aplicação. Ao não ser capaz de cumprir com suas próprias metas, costuma se sentir fraco, deprimido, perdedor. E se sentirá assim, mesmo se os quilos que tem para perder sejam irrelevantes - é a sua derrota pessoal que provoca o abatimento.

1a Parte: hábito X vício
2a Parte: um pouco de teoria
3a Parte: o vício se inicia de modo erótico

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